Amazônida






Havia um tempo na floresta que os homens não precisavam escrever leis, pois a natureza organizava a vida em sua plenitude. Aí vieram os alienígenas e domesticaram homens e natureza a seu modo de ser, explicando cartesianamente a “origem dos deuses, dos homens e da natureza”. Desde então, aqueles que vivem na floresta são tido, por muitos, como “subumanos”, atrasados, "não civilizados" em função de não enxergar o mundo sob o prisma retilíneo, retangular, matematizado, esquadrinhado e utilitário.

Lembro-me bem do dia em que um homem atracou sua canoa à beira do barranco e saltou com sua carabina (espingarda) em nossa direção, e  nós, sem conhecer direito do que se tratava, ousamos ir ao ser encontro, e este, com “medo”, mas sem dó ou piedade, deferiu seu petardo em nossa direção. Foi assim, de supetão, que conhecemos a lei do homem cartesiano que chegou à Amazônia brasileira em meados do século romântico.

A história da Amazônia brasileira é sinuosa como a curva de seus rios. Ali, deuses florestais encantam e reencantam todos os dias; castigam e abençoam extratores, semeadores e ladrilhadores com a chuva das tardes amazônicas que deslizam pelas proas das embarcações, que singram suas vestes imensas num horizonte quase infinito.

Num lugar tão cheio de mistérios e encanto, muitos aventureiros, homens de sonhos e poetas penetraram, como fizeram os “vascos da gama”, os “cabrais”, “os euclides”, “os bravos”, “os sírio-libaneses” e sua marretação pelos rios.

Quem viaja pelos rios amazônicos e conhece suas cidades ribeirinhas tem certeza que neste lugar “os deuses” deram uma trégua com o tempo, fazendo com que homens e natureza simbiosizasse/simbolizasse um gênero único chamado amazônida.

Mas ali, também, foi projeto de beleza exótica. Sim, aquela construída com ouro branco. Os palácios e teatros que embelezam as capitais do carimbó e do boi-bumbá são monumentos à estética e à luxúria com que os portugueses enfeitaram sua estada na Amazônia.

Apesar disso, a Amazônia, também, é um lugar inóspito, pois além dos botos que pululam em seus rios. Os homens cartesianos construíram seus domínios a ferro e fogo, e, também, com símbolos de dominação – O barracão, a verdadeira Senzala Amazônica, um regime de servidão muito bem elaborado na obediência com cutelo da opressão.

Ali só havia um dono, o seringalista, um homem tipificado ao coronel das gerais, o bigodudo. Este homem era o monarca absoluto do seu “condado/potentado”, não havia lei, senão à que ele estabelecia. Dizem até que parecia mais com sultanato que propriamente uma “monarquia”.

Falam os mais antigos que, lá pelas bandas do Acre, na fronteira do Peru e da Bolívia, um aventureiro espanhol, um tal de Galvez de Arias, tentou fundar uma república, mas os seringalistas não o deixaram, pois isso ameaçava seus domínios. E o puseram para correr tão logo tiveram seus interesses satisfeitos com a conquista do Acre da Bolívia e do Peru.

Contam, os mais dramáticos, que ninguém vai parar na Amazônia impunemente, pois eu vos digo: a Amazônia é o lugar onde os deuses resolveram fazer morada. É um lugar sagrado em que você ou é assimilado por ela ou é encantado pelo boto, pelo mapinguari, pela mãe da mata, pelo sucupira, vira uma cobra grande e/ou transforma-se num amazônida.

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