O analfabeto formal e o analfabeto político, eis a questão: Tiririca, o “Abestado”
Raimundo França[1]
A eleição de Tiririca à condição de Deputado Federal, no pleito eleitoral 2010, levar-nos a uma série de possibilidades interpretativas, no campo da Ciência Política, que não podem passar despercebidas, sob pena de não apreendermos a riqueza reflexiva que ela nos permite, sendo a principal delas, a nosso juízo, a própria Democracia Eleitoral e o seu desmembramento enquanto de Democracia.
A Constituição Cidadã de 1988, elaborada a partir do clamor popular das forças progressistas, trouxe uma importante dimensão qualitativa de Democracia que está ligada a expansão do conceito de Cidadania. Pela nova Carta Constitucional parcela significativa das pessoas que não tinham direito ao voto, entre eles, os analfabetos, conquistou o direito a participar da escolha dos seus representantes. Entretanto, para estes a Democracia Eleitoral é uma via de mão única, isto é, eles podem voltar, mas não podem ser votados. Uma vez que a legislação eleitoral estabelece alguns critérios para que o cidadão possa ter o direito de apresentar-se como candidato, sendo alguns destes critérios: não ser analfabeto, ser maior de 18 anos para pleitear, por exemplo, o cargo de vereador, estar em dias com suas obrigações militares, ser Ficha Limpa, estar filiado a um partido político e outras restrições que dependem do cargo em disputa, principalmente o critério etário.
A situação de Tiririca enquadra-se, portanto, na restrição ligada a sua suposta condição de analfabeto formal, ou seja, ele não teria condições de ler e nem escrever, ou ainda, compreender com clareza aquilo que ler. Assim sendo, também, seria um analfabeto funcional, aliás, quadro em que se encontram muitos dos brasileiros e não só Tiririca. Entretanto, ao contrário do que muitos possam pensar, tal critério de restrição estar posta na raiz da concepção de democrática de cunho liberal que emerge a partir dos pensadores clássicos da Política e da Filosofia Política que só advogavam em suas obras para ter direito a exercer plenamente a condição de Cidadãos, aqueles que fossem alfabetizados e tivessem meios materiais de se autoprovir. Essa concepção de Democracia Eleitoral influenciou parte significativa das constituições que conhecemos, inclusive, a brasileira, principalmente no que se refere ao aspecto da alfabetização que se manteve vigente mesmo com a Constituição Cidadã de 1988.
Outro traço importante da eleição de Tiririca está ligada ao fato dele ser analfabeto ou não, nos faz lembrar de Bertold Brech e seu dilema entre o analfabeto e o analfabeto político. O primeiro não ler, não escreve e não compreende. O segundo ler, escrever, pode até compreender, mas não se envolve com os assuntos do mundo da Política por achar que eles não lhes dizem respeito e nem alteram seu modo de vida. Logo, você pode ter um analfabeto que não ler, não escreve, mas compreende que da Política depende o preço do seu feijão, do arroz, da escola de seu filho, da saúde e de tudo que dependa o convívio em sociedade. Assim sendo, a eleição de Tiririca pode se enquadrar em qualquer um dos três aspectos levantados ou mesmo em nenhum.
Outrossim, a eleição de Tiririca pode ser avaliada de forma muito mais ampla, isto é, em função da baixa credibilidade Congresso Nacional e a própria Representatividade Política atualmente existente. De todo modo, sua eleição alerta para ausência de regras eleitorais isonômicas entre os candidatos, dado a super exposição, onde pessoas como Tiririca, ou outras celebridades, ou mesmo jornalistas candidatos tiveram, antes mesmo de deflagrado o processo eleitoral, uma super exposição midiática que lhes propiciaram fixar-se a mais tempo no imaginário do eleitorado. Tal situação desequilibrou substancialmente a competitividade eleitoral em prol destes. Muito embora, a eleição de Tiririca tenha se dado mais pela descrença com o Mundo da Política que representativa que mesmo de seu apelo midiático.
Diante disso, podemos dizer que a eleição de Tiririca pode ser extremamente pedagógica para discussão do processo democrático brasileiro, notadamente, no debate sobre a Reforma Política, que, a nosso juízo, não pode ser negligenciada pela próxima Legislatura congressual, sob pena de ficarmos bestializados com a eleição de um cidadão que se diz “Abestado”, mas que de besta não tem nem o nome.
[1] Cientista Político, Doutorando em Ciências Sociais (Política) pela UFRN e Professor da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT).
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