DESLAICIZAÇÃO DA POLÍTICA



Raimundo França[1]

            Nicolau Maquiavel, cientista político italiano, escreveu, no século XV, uma importante obra que marcaria para sempre a história do pensamento político – O Príncipe. Obra de cabeceira de todo governante que se preze e de todos aqueles que buscam a conquista e manutenção do Poder – moral básica da política. Embora, muitos a desvirtuam do real sentido oferecido por Maquiavel, ou seja, de construção do Estatuto operacional e racional de construção do entendimento humano – a Política.
            Entretanto, não constitui nosso interesse, neste texto, a exposição da obra O Príncipe, pois, como um bom filme, o melhor mesmo é lê-la e tentar compreendê-la por si mesmo e dentro do contexto que foi escrita. De todo modo, uma das teses básica levantada por Maquiavel é quanto ao caráter laico do Estado, ou da política, ou ainda da separação entre a Moral própria da Política, da moral religiosa.
            Os pensadores políticos modernos como John Locke, Jean Jaccques Rousseau,  Montesquieu, John Stuart Mill mantiveram-se firme a essa tradição da laicização da política em todas as suas obras, ou pelo menos, mantiveram-se o mais distante possível da incorporação da moral religiosa como princípio de suas observações do fenômeno político. Contudo, não nos custe lembrar, que, tivemos um longo período da História, ou seja, do Século III ao XIII, em que a única moral oficialmente permitida foi à religiosa. 
            Mesmo assim, esses autores mantiveram-se firmes na luta pela laicização da política e pela construção do Estado Laico, afastando-se das formas vigentes de estados religiosos e, por outro lado, defendo de diferentes modos a concepção do Estado de Direito, ou do Estado Democrático de Direito, construído a partir do princípio de laicização do político. Ainda que, hoje, haja estados religiosos como, por exemplo, os estados islâmicos que, em sua grande parte, são dirigidos pela moral religiosa.
            As experiências de construção da política pela moral religiosa foram-nos caóticas, assim como todos os exemplos totalitários que também reificavam seus líderes como semi-deuses. Esses exemplos promoveram as Cruzadas, a Santa Inquisição, o Nazismo, o Fascismo, o Stalinismo, todos pregavam em comum a intolerância religiosa e/ou política, na tentativa de impor os seus deus aos demais, ou a sua visão de mundo como a única, verdadeira e permitida.
            Deste modo, a preservação do Estado Laico e separação da Moral Religiosa e da Moral Política são fundamentais para que continuemos a construção de uma Sociedade onde a Tolerância seja a argamassa fundamental, para que todos, livremente, abrassem seus deuses, mas nenhum tente impor o seu Deus aos demais por meio do Estado. Afinal, todos, num Estado Democrático de Direito, têm direito à cidadania, mas, ninguém tem o direito de transformar esse Estado de Direito num princípio de fé desse ou daquele credo particular.
Entrementes, tem-se visto, no Brasil e em outros países, uma clara tentativa de retorno ao estado religioso, senão na sua concepção literal de um Estado que tem uma religião oficial, mas na construção de particularismos religiosos via projetos de Leis e de construção de bancadas legislativas e etc. Não nos esqueçamos do pensador florentino – Maquiavel – a Política tem sua própria razão e, portanto, o Estado deve ser laico para o bem da Tolerância e o respeito à diversidade de credo, de cultura. A deslaicização da política é uma ameaça grave a Tolerância.


[1] Cientista Político, doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Professor Assistente da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat).
raimundofranca@gmail.com

Comentários

  1. Não poderíamos deixar de fora a participação efetiva do poder religioso perpassando a mídia por meio de grandes emissoras de televisão que passam essa imagem de que temos sim uma fé avassaladora, e custe o que custar temos de mantê-la, conferindo-nos uma forma de 'naturalizar' esse princípio.
    Cabe aqui fazer uma ressalva à luz do pensamento de Pierre Bourdieu, cuja estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder comanda, em cada conjuntura, a configuração da estrutura das relações constitutivas, onde o campo religioso cumpre a função externa de legitimação da ordem estabelecida, na medida em que a ordem simbólica contribui para a ordem política.

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